Matéria publicada no Jornal Ipu Grande, edição de março/abril de 2008.
João Martins, o destemido e lendário coronel do “sertão”, havia lavado sua honra. Após atacar a cadeia com seus “jagunços” e humilhar o poder instituído, dormiria tranquilo, por enquanto. Mostrou à polícia e a cidade quem de fato detinha o poder. Só deixou o Ipu após um acordo e muito insistência do chefe de polícia e o juiz da Comarca. Todos temiam uma guerra, pois era certa a vinda de policiais do destacamento de Sobral para manter a ordem e honrar o poder instituído.
O Cel. parecia não está a par ou ligar para a conjuntura política. Naquele momento os Martins de Ipu haviam sido depostos do poder e os cargos, um a um, foram assumidos por seus tradicionais opositores: os Aragão. Isso assim se deu pela própria mudança da conjuntura política estadual e federal.
Os Martins e sua parentela estiveram imbricados com a política oligárquica. Apoiavam Nogueira Accioly, chefe da oligarquia estadual, e recebiam carta branca para governar a cidade de Ipu. Accioly, por sua vez, apoiava o candidato ao governo federal indicado pelo PRP (Partido Republicano Paulista) e recebia carta branca para os mandos e desmando no Estado.
Mas, em 1910 esse esquema montado por Campos Sales (Política dos Governadores) sofreria uma fissura com a eleição de Hermes da Fonseca para a presidência. Hermes adotou uma política conhecida como salvacionismo que consistiu em promover uma substituição dos oligarcas estaduais por outras, com o objetivo de “moralizar” a política federal e sob a alegação de que as oligarquias estaduais, com sua corrupção e desmandos, emperravam a administração e desenvolvimento do país. No Ceará foi lançada a candidatura do salvacionista Franco Rabelo, que derrotou Accioly.
Mesmo com a queda do Comendador Accioly e a ascensão do salvacionista Franco Rabelo, os Martins mantiveram o poder local numa manobra bem orquestrada, apoiando as forças dissidentes, ao lado de Paula Rodrigues, - a quem conheciam muito bem e mantinham relações amistosas - que deram suporte a candidatura de Franco Rabelo à presidência do Estado em 1912. Em troca do apoio a Franco Rabelo, mantiveram, momentaneamente, o poder em Ipu, o que lhes valeram o apelido de “Vira-cassaca” dos seus opositores locais, os Aragão, sedentos pelo poder. Só mais tarde estes teriam o prazer de sentir o gosto de governar.
Vencedor nas urnas e assumindo a presidência do Estado em 1912, Franco Rabelo governaria, no entanto, só até 1914, derrubado por uma conjunção de forças estaduais e federais, com destaque para a Sedição de Juazeiro.
Este cenário político estadual e federal provocou consequências nefastas para a política ipuense do período. Com a queda de Rabelo, caíram em Ipu os Martins. Estes não só perderam o poder, como também foram perseguidos, como “cães sarnentos”, duramente pelo governo do Estado.
Decretada a intervenção para o Ceará em março de 1914, assumiu o governo o general Setembrino de Carvalho, que mandou de volta para Juazeiro os “revolucionários” do Padre Cícero. Não obstante, muitos dos “jagunços” foram incorporados ao Batalhão de Segurança Pública que logo começaram a “cometer desordens, perturbando a tranquilidade das famílias”, sendo vítimas de atrocidades os adversários do novo governo e aqueles mais próximos ao rabelismo.
Muitos desses “jagunços” incorporados ao poder repressor foram enviados ao interior para perseguir os rabelistas. Ipu é um destes casos. Osório Martins sentiu na pele o gosto amargo de seu próprio sangue, ao sofrer afrontas de tais jagunços, pelo simples fato de ser um Martins.
Logo após a queda de Rabelo, estacionaram na cidade de Ipu, “policiais”, “jagunços do Padre Cícero” que passaram a hostilizar e perseguir os rabelistas, notadamente os Martins. Foi deposto da intendência do Município de Ipu, em 3 de abril, o Tenente Coronel Aprígio Quixadá e dissolvida a Câmara, empossada por Accioly em 1912 e que havia permanecido no poder mesmo após sua queda.
Foram exonerados do cargo de promotoria de justiça, Dr. Leonardo Mota, e da delegacia, seu primo, Manoel Vitor, ambos ligados aos Martins. Em seguida, os antigos rabelistas – agora democratas – passaram a ser perseguidos, hostilizados. O Ipu viveu um verdadeiro banho de sangue.
O Cel. Benjamin Liberato Barroso, que assumiu a presidência do Estado em junho de 1914, mandou uma força policial para a cidade de Ipu com ordens de perseguir e aniquilar os rabelistas, notadamente os Martins. A ordem era para matar e não poupar munição.
João Martins da Jaçanã só complicou as coisas. Mal sabia ele que o poder dos Martins, de seu grupo, era coisa morta e ainda afrontou a ira do poder instituído em um momento de ânimos cerrados. Perderia tudo, teria sua fazenda totalmente destruída, seus parentes afrontados e veria o sangue de pessoas próximas sendo derramado. Após o ataque a cadeia, João Martins passou a ser o alvo principal das perseguições. A ordem do governo era para exterminá-lo, matar seus “capangas”, acabar com sua fazenda, perseguir, afrontar, prender e, mesmo, matar seus familiares.
Após o episódio do ataque à cadeia, portanto, se seguiu uma intensa perseguição ao Coronel João Martins, empreendida pelo presidente do Estado. Seguiu-se, também, uma série de perseguições, espancamentos e assassinatos no município. Os Martins de Ipu esvaziaram a cidade. Piauí, Ipueiras, Crateús, Nova Russas foram seus refúgios principais. Só retornaram quando os ânimos estiveram calmos.
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